Nossa Senhora dos Mártires
(1147)
(Lisboa - Portugal)
Dom Afonso Henriques, primeiro
monarca português, via com grande mágoa tremularem as luas maometanas na
ilustre cidade de Lisboa, e o desejo de libertar a cidade do jugo odioso dos
inimigos de sua fé aumentava dia a dia em seu piedoso coração. Um dia, quando
estava entregue a esses pensamentos, eis que surge, no vasto oceano, a
verdadeira Estrela do Mar, Maria Santíssima, que, representada em uma devota
imagem, vem acompanhando uma ostentosa armada de cruzados,composta de alemães,
franceses e ingleses. Vinham dos portos do norte com o fim de resgatar a Terra
Santa do poder dos bárbaros e, inesperadamente, por disposição divina, chegaram
à costa de Portugal.
O piedoso monarca, depois de
saber qual era o fim daquela armada, convida-os à conquista de Lisboa, porque,
explicou-lhes ele, seria muito do agrado do Senhor contribuírem para a exaltação
da santa religião em um reino que o mesmo Senhor pouco antes fundara de maneira
tão gloriosa.
Os cruzados aceitaram o convite e
se dispuseram para tão ilustre feito, de cujo resultado não duvidou o rei,
quando soube que eles traziam na armada, como sua protetora, uma imagem de
Nossa Senhora.
Deixando, pois, as naus, os
cruzados desembarcaram nas praias de Lisboa, conduzindo igualmente para terra a
sagrada imagem, que desde o princípio da viagem lhes havia servido de
consoladora companhia.
O lugar onde hoje se acha
construído o templo de São Vicente de Fora é ocupado pela divisão dos cruzados;
e a divisão dos portugueses está no lugar em que se construiu o santuário onde
hoje é venerada a imagem,a qual foi colocada nesse lugar com a permissão do
general dos cruzados, Guilherme da Longa Espada.
Transportado de júbilo por
possuir em seu arraial tão precioso tesouro, o rei Afonso, confiando firmemente
na proteção da Santíssima Virgem, fez o voto de erigir em sua honra um
santuário, que aos vindouros patenteasse seu reconhecimento, se por intercessão
de tão poderosa protetora conseguisse a suspirada vitória.
Quando o rei formava o plano do
grande ataque, que havia de decidir a conquista de Lisboa, inesperadamente é
informado de que um reforço considerável de infiéis avançava pelo lado de
Sacavem, com o fim de socorrer os irmãos de armas e malograr os projetos do
rei.
Longe, porém, de se aterrar com
tão inesperada nova, o rei julga-a como feliz anúncio de suas futuras vitórias,
porque escudado com a proteção de Maria Santíssima, Senhora nossa, nada tem a
temer dos inimigos de Mafoma: sai ao encontro do tal reforço, e tão
valorosamente o investe que muitos dos inimigos acham desprezível sepulcro no
mesmo lugar em que pouco antes se prometiam mutuamente a vitória.
O rei Afonso reconhece no feliz
resultado desse primeiro conflito a proteção visível da Santíssima Virgem e, e,
solene testemunho de gratidão, manda ali mesmo edificar uma pequena capela em
honra de Maria Santíssima.
Na tomada de Lisboa, os soldados
de Afonso com seus aliados foram novamente auxiliados pela puríssima Mãe de
Deus, que os protegeu até entrarem na posse da sede da monarquia dos lusos,
cujas portas lhes foram gloriosamente abertas no dia 25 de outubro de 1147, dia
memorável em que, entrando em Lisboa o exército vencedor, os cristãos,
prostrados diante da verdadeira Judite, sua libertadora, representada naquela
imagem, a saudaram agradecidos como os betulianos à vencedora de Holofernes –
Tu és a glória de Lisboa, a alegria de seus habitantes, a honra do povo
português.
Libertada Lisboa do bárbaro jugo
pela poderosa proteção de Maria Santíssima, o rei tratou zeloso do bem-estar
daqueles generosos cruzados que tanto o haviam ajudado em sua conquista, e, não
se esquecendo dos mortos, procurou um lugar decente em que pudessem ser
sepultados os corpos daqueles a quem a piedade dos fiéis já chamava mártires,
por terem dado com a vida um testemunho de sua fé.
Benzido o terreno, foram
sepultados os restos mortais dos devotos guerreiros falecidos na batalha, e os
sobreviventes construíram uma capela para a qual transladaram a imagem de Nossa
Senhora. E, para maior veneração da Santíssima Virgem, edificaram na
proximidade da capela umas pequenas celas para habitação dos vários sacerdotes
ingleses, a quem presidia o venerável sacerdote Gilberto, com o fim de se
empregarem cotidianamente nos louvores da Mãe de Deus.
Logo depois, tratou o agradecido
monarca de dar cumprimento fiel ao voto que tinha feito à Santíssima Virgem:
manda levantar em seu louvor um santuário dedicado à Mãe de Deus com a
invocação ou título de Nossa Senhora dos Mártires, para que ali fosse colocada
a veneranda imagem, por ser o templo edificado no lugar em que estavam
sepultados os valorosos cristãos que haviam morrido em defesa da fé e eram
chamados mártires.
O rei esmerou-se na construção
desse santuário, que seria santificado pela real presença de Deus e aformoseado
com a imagem de sua Mãe Santíssima. Os muitos terremotos que lastimosamente se
fizeram sentir em Lisboa, em diferentes ocasiões, arruinaram mais de uma vez
esse majestoso santuário, que sempre foi reparado.
A última reconstrução foi
concluída em 18 de março de 1774, e nesse mesmo dia transladou-se para lá a
imagem de Nossa Senhora dos Mártires, que ali está até hoje.
Esta é a origem do título Nossa Senhora dos
Mártires, que por outros motivos já lhe era sumamente glorioso, porque, sendo
ela a Mãe do maior dos Mártires, Nosso Senhor Jesus Cristo, sua alma santíssima
sentiu todos os tormentos da paixão de seu Filho, e a ímpia lançada, que o
Filho morto já não sentiu, foi cravada em sua puríssima alma. É a Rainha dos
Mártires, como lhe chama a Santa Igreja, porque por seu martírio inigualável, é
a fortaleza dos mártires em seus combates, e a consoladora dos que vivem
martirizados pelos trabalhos e sofrimentos desta triste vida
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